domingo, maio 22, 2011

Ives Gandra Martins, a Constituição e o STF

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'A CONSTITUIÇÃO "CONFORME" O STF'

Foto: Fecomércio/SP
Professor Ives Gandra da Silva Martins

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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional. Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não como julgadores.

À luz da denominada "interpretação conforme", estão conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes.

Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente, deputado Ulysses Guimarães.

Lembro-me que a ideia inicial, alterada na undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime parlamentar italiano, foi adotada.

Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez declarada a omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção se não a produzisse.

Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência para legislar.

Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo que ferisse sua competência.

No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo -entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os próprios constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual.

Aos pares de mesmo sexo não se excluiu nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era -para os constituintes- uma família.

Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França, em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar.

Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros -e não por um homem só-, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante dos três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão representadas.

Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante do que ser politicamente correto.

Sinto-me como o personagem de Eça, em "A Ilustre Casa de Ramires", quando perdeu as graças do monarca: "Prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino".


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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 76, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e participante nas audiências públicas de elaboração da Constituição Cidadã de 1988.



Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 20 de maio de 2011, página A3.







Um comentário:

Epaminondas disse...

Professor Ives Gandra Martins:
Em uma colméia quando uma abelha mestra não mais produz ovos e não existe substitutas para executar a função, vem,os que o enxame entra no caos, é tudo que é operária querendo substituí-la, mas não foram preparadas para tal e como conseqüência, entra num caos total, concluindo pela sua extinção.
O mesmo vem acontecendo no Brasil, quando temos um legislativo inoperante, corrupto e aético, promovendo que outros órgãos tentem substituí-los sem sucesso.
Por outro lado, por motivos vários como legislação arcaica, comprometimento com o poder Executivo, o Judiciário também não cumpre sua função de fazer valer a justiça, tudo devido um Executivo agigantado, que vem sobrepondo a todos eles.
O que vemos é um Legislativo no nível mais baixo até hoje visto no Brasil, onde encontramos um Tiririca na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e um Renan Calheiros na Comissão de Ética do Senado, é a raposa cuidando do galinheiro, os Parlamentares com sua Imunidade, fazem o que querem: corrupção, compra de votos, etc., não é punido, o contrário dos Estados Unidos, onde os Parlamentares e políticos em geral no desvio de sua conduta são julgados pela Justiça comum, e se condenados, indo irremediavelmente para cadeia.
O próprio Judiciário não pode ficar subjugado ao Executivo como no caso do STF, onde 11 dos doze Ministros são escolhidos por um Presidente analfabeto, aético, sem qualificação alguma, a não ser um grande demagogo e como resultado já sabemos, Ministros incompetentes e comprometidos com o Executivo. A homologação pelo Senado não funciona, pois só fazem o que o Presidente Quer.
A única solução que encontro será o povo passar a legislar, quando Maomé não vai à montanha, esta vai a Maomé.
Ao que me consta, para tal necessitaríamos de algum grupo de altos juristas como V.Sa., redigisse tais leis e conseguirmos um milhão ou mais de assinaturas para darmos entrada no Congresso para aprovação e em seguida fazermos preção para que esta fosse examinada e aprovada.
Precisamos de um Judiciário independente e seus membros escolhidos pela meritocracia.
Parece que temos de reformar tudo, como sejam:
1. Sistema Político.
2. Sistema Tributário: não podemos continuar trabalhando cinco meses ao ano para um Governo Corrupto.
3. Sistema Judiciário.
4. Código Penal: Nossas leis são brandas e com muita oportunidade de apelações, tornando-a morosa, como no caso agora do Pimenta Neves que matou a Sandra Gomide e só depois de 11 anos foi para a cadeia.
5. Outros casos.
A sociedade brasileira sente que o Legislativo atual não tem condições moral e intelectual para fazer tais modificações e a solução será o povo legislar.
Estou à disposição de V. Sa., para o que der e vier, pois sinto que temos muitos outros brasileiros com o mesmo propósito.
Atenciosamente,
Epaminondas Albuquerque Filho.
Olinda/PE
email: epafilho@elogica.com.br