sexta-feira, janeiro 08, 2010

Café com Jesus 3

EBENEZER

João Cruzué
SP-08.01.2010
Senhor, obrigado por mais um ano de vida. Hoje eu tenho um motivo especial para orar antes do meu cafezinho: daqui a três dias vou completar 54 anos. Eu tive muita sorte! Não é qualquer pessoa que converte aos 18 e continua sob sua graça até agora. O mérito não é meu, é teu.

Sim, 54 anos; engraçado, quanto mais velho fico menos compreendo os paradoxos da minha época. O mundo está tão globalizado, globalizou até a solidão. As Igrejas estão cheias de bispos, apóstolos, mestres e doutores; sobra conhecimento, sobra livros, mas falta sabedoria para linkar tudo isso. A grande comissão está sendo substituída no Brasil pelo "fico". E o sucesso dos evangelistas que dominam a TV ocupou o lugar do Espírito em assuntos de discipulado.

--Senhor, eu tenho trabalhado pouco. E mesmo que muito fosse, nunca conseguiria pagar as grandes bênçãos que me destes no ano passado. Quem sabe em 2010 terei novas responsabilidades espirituais? Ah! como é bom fazer exatamente aquilo que queres que eu faça. Isso é muito importante para mim, pois quando faço a tua vontade o teu Espírito alegra o meu espírito. Senhor, eu já aprendi, depois de algumas experiências, que não existe momento mais feliz em minha vida quando a Tua presença se manifesta perto de mim. Meu coração se encolhe, meus olhos naufragam e eu percebo que tu és tão bom e eu, tão inútil.

Tenho visto e me preocupado com as misérias humanas. Principalmente a incredulidade, as dores e as doenças. Quantos estão morrendo de câncer e outras doenças incuráveis e eu, aqui impotente, ignorante, sem fazer nada. Ainda é possível, Senhor, com minha idade trabalhar como os dons de curar? É possível ao toque de um dedo ou o contato de um lenço? E a sabedoria e cansaço para trabalhar com um ministério desses? Ainda me lembro da visita a minha cunhada cheia de aparelhos e tubos na enfermaria de um hospital, no ano passado. Hemorragia no cérebro. Se eu soubesse como orar e tivesse mais intimidade contigo, darias mais alguns dias para ela? Quando medito nestas coisas vou compreendendo que não é tão simples como imagino.

Eu tenho uma dúvida. Sei que não é por esforço nem por violência, mas por tua vontade Senhor. Como é que saberia o caminho para mitigar as misérias do próximo? De quem é a iniciativa? Jejuar 40 dias vai me dar o direito de curar os enfermos e levantar os mortos? E sobre o que é ou não a tua vontade? E aquele assunto de transformar pedras e pães? Não é o que muitos estão fazendo hoje ao levar seus ministérios para a TV? Paulo disse que o Evangelho deveria ser pregado de todas as formas, mas também se preocupou em perder a própria alma mesmo sendo um mestre.

Senhor, eu preciso urgentemente de que me ensines a portar-me nos dias atuais. Não diante dos ateus e descrentes, mas diante de ministros e irmãos que trocam a santidade pelo salário da covardia. Aqueles que lavam as mãos e fecham os olhos diante do pecado de seus chefes. Dir-me-ás as mesmas palavras? Pratica o que ensinam mas não participa do que fazem? Isto ainda é atual, Senhor?

Abençoa Senhor as Igrejas do Cárcere. Fiz um compromisso de vida contigo. Enquanto viver vou continuar enviando aquelas revistas e Bíblias para aqueles lugares. Basta que me orientes para onde devo enviar. Melhor para onde precisa do que, sobra. Aquela gente, eu sei, foi muito má. Eu mesmo já estive na mira de um "cano" a caminho do Correio para despachar literatura. Faço isso porque sei que és o melhor dos advogados. Advogado que chega diante do Pai e diz: Pai, este homem já praticou tudo de ruim na vida, mas ontem ele dobrou os joelhos e orou "Pai, tenha misericórdia de mim, pecador" Por isso, aceite a sua oração, pois ele também foi comprado e perdoado. Quando me lembro disso, passo uma borracha nos meus preconceitos e penso como tu pensas.

Quanto tempo ainda tenho, Senhor? Eu gosto muito de viver. Esta semana estive na casa da minha cunhada, falecida em maio. E andando pelos cômodos daquela casa e olhando o penteadeira posta do jeito que ela deixou eu pensei: nossa vida é como um sonho em um dia de verão. Um sopro muito curto. O salmista se referia a isto quando escreveu o Salmo 90."Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios. Contar cada dia seria perguntar pela manhã ao Senhor o que fazer e, à noite, prestar contas a Ele?

Accountability! O instituto da prestação de contas dos anglo-saxônicos. Se pecar é: além de errar o alvo é deixar de praticar o bem a cada minuto de um dia - quem se justificaria diante de ti? Curiosamente, aqui, lembrei dos apologistas. Engraçado! Eles marretam com muito gosto os lobos disfarçados de pastores. Apoiado! Mas será que as ações (desconhecidas) dos apologetas seriam 100% imaculadas? Já não tenho tanta certeza.

Por fim, Senhor, peço que mostre-me o caminho, para ter mais intimidade contigo. Perdoe-me a multidão dos meus pecados e tenha misericórdia de mim. Obrigado pela família e pelos poucos amigos. Eu não mereço Senhor, mas sou agradecido por mais um ano de vida. Amém.




sábado, janeiro 02, 2010

Seu Mário já não mora mais na Praça da República

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.João Cruzué

A primeira vez que vi seu Mário assentado no bancada do jardim da Praça da República, não pude mais esquecê-lo. Eu fiquei asssutado com seus gritos e palavrões, palavras as mais chulas que talvez você ainda não tenha ouvido. Ele gritava a plenos pulmões ofendendo a mãe e toda parentela de transeuntes e outros moradores de rua que o provocavam ou o simplesmente o encaravam.

Eu fiquei sabendo do seu nome através de minhas colegas de trabalho. Moças e senhoras evangélicas; Aadministradoras, advogadas, funcionárias públicas que decidiram caminhar pela Praça no intervalo do almoço à procura de alguém para falar do amor de Deus. E foi ali que, na bancada do jardim , na saída do Metrô, atrás do Colégio Caetano de Campos, elas "acharam" seu Mário. Uma pessoa com graduação em Economia, mas morador de rua conhecido e esquecido pela ou da família. Foi o que apuraram.

Eu já sabia de casos e casos de moradores de rua, mas nunca tinha ouvido falar que um morador de rua fosse um economista.

Orando e buscando ajuda, minhas colegas conseguiram um abrigo católico para receber e cuidar do seu Mário. Durante três a quatro semanas os transeuntes da Praça da República notaram a ausência de seu Mário. Quando eu pensei que ele já tivesse encontrado um lar definitivo, ele voltou. Para minha tristeza.

Na semana que seu Mário voltou choveu muito. Ele praticamente ficava assentado o dia inteiro no mesmo lugar ou deitado sob um cobertor velho. Mesmo tendo chovido a noite inteira, ao sair do Metrô eu o vi seu Mário no lugar de sempre.

Entre o céu e seu Mário o único teto era um cobertor molhado. Ensopado.

Por que seu Mário voltou? Eu não tenho a resposta para esta pergunta. Talvez uma ideia que se aproxime dela. Seu Mário perdeu a noção de família. Aliás, foi perdendo pouco a pouco. Mesmo sendo recebido com muito carinho onde foi acolhido, ele sente saudades da solidão do bancada de cimento no meio da rua. Mas trouxe um costume novo de onde ele esteve pela última vez: não tenho visto ele xingar.

Não sei se foi por problemas mentais (não parece) ou por rabugice extrema. O fato é que, enquanto ele se desgarrava da família, foi se apegando a um endereço na Praça. Um endereço que não tem número, nem porta, nem teto. A esquina de uma bancada de cimento que circunda um canteiro de jardim na Praça. Ele pode se mudar, mas isso pode levar tempo. Não deve ter sido a primeira vez que concordou em ser cuidado em um abrigo de uma instituição religiosa. Católica. Mas eu creio, que entre idas e vindas ele poderá estabelecer novos vínculos de apego em um endereço de verdade.

Eu notei a volta do seu Mário. Cheguei a conversar com ele. "Olha, estive esses dias no Pronto Socorro tal, mas não deixe seus parentes irem lá não! É um açougue. Ele falou para mim.

No mês de setembro passado, seu Mário sumiu de novo. Outubro e novembro se passaram e eu nunca mais o vi naquele canto da Praça, na saída do Metrô República. Eu tive um mau presentimento. Talvez eu nunca venha a saber o que aconteceu com ele, mas algo me diz que seu Mário já não está mais conosco.

Eu creio que moradores de rua podem se mudar para lares verdadeiros. Existe um remédio que, se ministrado pelo menos uma vez por semana, durante certo tempo, pode fazer efeito duradouro. É um frasco de amor cristão. Uma única dose pode não ser o bastante para curar, mas se for administrado com teimosia vai tirar muitos "Mários" da rua.

O que fazer se nem todos os cristãos têm ministérios para cuidar de moradores de rua? Talvez investindo em pequenos gestos despretenciosos. Eu descobri que seu Mário gostava de pão-de-queijo. Ou será pão de queijo?



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